Vovó nunca se recuperou ter se tornado mãe; ter expelido de si própria o que havia sido o âmago da sua carne durante períodos de nove meses. Suas crias vieram ao mundo, mas até o fim, ela se relacionava a eles como se ainda fossem parte de si. A angústia da cisão da carne, de ser cortada de partes dela mesma, torturou-a por toda a vida, manifestando-se como um mórbido medo de perda.
Sempre obcecada com os mais remotos perigos possíveis, em consequência de qualquer coisa que algum dos seus três filhos fizesse, seu esquartejado ser projetava a sua própria dor no mundo que os roubava dela, e a boa senhora só podia ver ameaças em todos os lugares. Se o primogênito fosse participar de um cruzeiro, ela o aconselhava compulsivamente a não discutir com ninguém a bordo, para que não fosse empurrado no mar. Se o mais moço não telefonasse todo dia, ela imaginava que ele tivesse se matado, etc.
Mesmo quando tudo corria de acordo com a rotina, ela tinha que exorcizar a compulsão de pensamentos repulsivos que irrompiam em sua mente, com imagens do seu pior pesadelo, imaginando-se sob mil tipos de torturas para salvar sua prole. Tal afinidade com a dor ia além da fantasia. Sua feroz devoção, oriunda desse sofrimento constante, como dor contra dor, dava a ela coragem de suportar qualquer coisa pelo bem estar de seus filhos, e quando papai, aos dois anos de idade, pegou difteria e foi dado como caso perdido pelos médicos, vovó fez a promessa de subir de joelhos os 365 degraus numa colina em cujo topo ficava uma igreja onde ela levaria velas, se a Virgem salvasse seu filho. Ao cumprir sua promessa, a mãe feroz quase teve que amputar suas pernas, mas papai foi salvo, contrariamente ao prognóstico médico. (Não devemos esquecer que naquela época, ao menos no Brasil, não havia antibiótico).
Embora eu eventualmente percebi que ele nunca escondeu da família que era um Don Juan, cujo instinto sexual não era contido pelo casamento, nenhum dos seus casos tanto ameaçava mamãe, como o amor que ele tinha por sua própria mãe. Além do prazer inebriante com que esta o amamentou até os primeiros anos, além das dolorosas e destrutivas promessas religiosas que ela veio a pagar duas vezes para salva-lo, aquela mãe ferozmente visceral deu sem querer a seus filhos então adolescentes, o prazer adicional de assisti-la curtir sexo com vovô, quando eles a espionaram pelo buraco da fechadura do quarto do casal. Que descoberta! Para o filho maravilhado, a mistura de adorar a mãe santa e reconhecer a sua ativa natureza sexual era um tour de force que só ela podia inspirar; somente a sua mãe sobre-humana podia estar acima de tudo que todas as outras mulheres deixavam a desejar, juntando a santidade da maternidade `a lascívia da carne. Ela era ímpar!
Seja la a visão microscópica que papai viu do encontro sexual de seus pais tornou-se a excessão de todas as teorias que ele tirava do comportamento de certos animais, e usava para justificar suas infidelidades: "O prazer das mulheres esta na maternidade, e dos homens in sexo. Enquanto uma vaca leva muitos meses de gravidez e lactação, o touro que a fecundou cobrirá muitas outras vacas. Se uma mulher gosta de sexo, ela é como um homem, e não pode dar uma boa mãe. Com excessão da minha mãe! Ela é a melhor mãe, e a melhor mulher!" Cansei-me de ouvi-lo dizer.
Diante do auto punitivo tipo de existência de sua sogra, por causa das roupas velhas e rasgadas que usava, do seu orgulho em falar que nunca fora a um cabelereiro em sua vida, da aparência surrada que ela mantinha, `a maneira dos martires medievais que se faziam sofrer fisicamente para negar a carne, mamãe não via nela qualquer sombra de sensualidade, e deduzia que papai sofria de um complexo de Édipo agudo. Mesmo assim, vovó continuou a ser sua maior ameaça e enigma.
A matriarca amamentara seus filhos durante anos, e como a diferença de idade entre eles não era grande, ela `as vezes dava o peito simultaneamente a uma criancinha de um lado e um bebê de outro. Pra não falar dos cachorrinhos que ela também amamentou, das ninhadas de alguns dos muitos cachorros que ela sempre gostou de ter.
Quando eu era criança, os seios de vovó lhe batiam pela cintura, eu achava que eles eram os maiores seios do mundo, e ficava fascinada com os santinhos aninhados entre eles, como se toda a hierarquia celeste estivesse presente no encontro daquelas medalhas douradas e santas, com o peito querido.
A "santidade" oficial de vovó foi declarada por seu filho mais velho, um "dandy" cujas visitas diárias `a sua mãe eram pra mim um prazer assistir. Ele não tinha a menor vergonha de ser carinhoso com sua velha mãe, beijando-lhe o rosto repetidamente e sussurrando no ouvido dela os doces apelidos que lhe inventava. Ele se casou oito vezes, mas sempre que ficava doente chamava vovó pra perto de si, dizendo a fosse quem fosse sua esposa, que somente a mãe dele sabia como cuidar dele.
A liberdade do seu afeto era tal, que dando-se o direito de um papa, ele batizou sua fazenda Santa Aminta. Quando um de seus amigos lhe disse que nunca ouvira uma santa com esse nome, meu tio, com a inocência de sua convicção, respondeu: Ela é a minha mãe!
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