Friday, November 8, 2019

O Mais Lindo Passeio do Mundo (Outubro/2017)

Passei quase uma semana em Esalen, em Big Sur, costa da California, tipo duas horas de San Francisco. Me inscrevi num programa individual de reflexão, ao contrario da maioria dos que estavam la, e participavam em grupos de cursos concentrados e variados. O único jeito de poder se encontrar , quebrando, por um tempo, o estado de constante plantão em que a rotina força em nós , mesmo sem que nos demos conta, é preciso nos afastar de nossa casa. Por mais gregária e interdependente seja a espécie humana, cada pessoa, enquanto indivíduo, deve se tornar consciente da sua unicidade, pra poder ficar em paz consigo mesma. Esses dias de silencio , solidão, e distancia da internet, quando eu so “trocava figurinhas” com o céu, as arvores, o mar ali abaixo do despenhadeiro rochoso, e a minha própria escrita, foram maravilhosos, pra mim. A sobremesa foi o passeio de carro pela costa com meu filho Chris, que se ofereceu me buscar.
Sempre amei o mar, `a beira do qual vivi muitos anos, no Rio. Em criança, levei muitos “caldos” das ondas; em adolescente, refrescando-me de vez em quando no seu abraço azul, aderi `a “religião” de se queimar sob o sol tropical. Tornando-me mãe de Chris, o oceano me deu a sublime missão de apresentar a inocência do seu poder, ao poder da inocência da minha criancinha, que se deleitava nas águas salgadas. Mas em todos esses anos de convívio com o mar, nunca tive com ele a relação, ou melhor, a comunhão, que vivi no passeio que mencionei.
Pra começar, a estrada que pegamos, e que tinha sido fechada por vários dias, devido ao fogo que assolou diversas áreas na California, fôra recentemente aberta, e só havia nós sobre ela. Em toda aquela imensidão, era como se fossemos os primeiros a chegar num planeta de pura beleza, eu e ele parando aqui e ali, para apreciar, fora do carro, os pontos mais dramáticos do encontro da fúria eufórica das ondas, espirrando em branquidão nervosa nas pedras angulosas de seu caminho, para novamente explodir contra a rocha íngreme da costa. Quando havia extensão de areia, entre o rochedo e as camadas de espuma branca, esta era impiedosamente submersa pela corrida da massa de água que, inexorável, vinha sempre investir contra a encosta final. Nem se tinha acesso a algumas daquelas pequenas praias, que se oferecendo somente `a contemplação, consagravam o mar, deixando-o, intocável e inteiro, todo para si próprio.
Morando na California há vários anos, Chris, que tem sede de mar e de beleza, conhece bem o estado. Num dado momento, quando novamente decidiu estacionar na estreita faixa de terra entre a pista e o despenhadeiro, avistamos, alguns passos adiante, um grande e elevado assento, feito de dois grossos troncos de árvore em estado bruto, a não ser pela superfície polida em que se podia sentar. Saindo do carro, senti vertigem só de olhar,`a beira dos meus passos, na força do encontro do mar bem lá em baixo, puro e indomável, com a costa, um espetáculo cuja vista nos aparece fatal; ponto máximo de beleza e por isso apocalíptica, como que se tornando, com a morte de que é vizinha, parte de uma mesma revelação. A vertigem que senti, vontade de aniquilação naquilo que nos ultrapassa, era temor e busca de perdão.
Quando Chris sugeriu que eu me colocasse no elevado assento, cujo alcance dependia de uma saliência na madeira que servia como precário degrau de acesso a um de seus lados, perguntei-me se seria capaz. Uma vez que consegui, tive a grandeza do mar a meus pés e dentro do meu coração, e me senti no único trono verdadeiro de todo este mundo.

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