Jesus Christ, by Rembrandt
Poema de Amor entre
Criatura e Criador
Através de um estudo
da oração do Senhor no Aramaico que era sua língua original, descobre-se uma grande
afinidade entre sua mensagem com a abordagem oriental,
em que o corpo, a dimensão orgânica, tem tanta importância quanto a da mente, e a
introspecção aponta para diversos tipos de meditação que nos ensinam a
buscar nossa essência dentro de nós mesmos. Nossa essência; nosso
eu profundo e verdadeiro: nossa alma.
Do mesmo modo, redescobrimos Jesus, numa
liberdade poética que, não dogmática ou tampouco discriminante, tudo reconcilia
na divindade, expressando sua pureza
imaculada através do primitivismo versátil de sua língua original.
A tradução ocidental
que temos dessa oração reafirma a divisão entre matéria e espírito,
paraíso e terra, coisas do céu e coisas do mundo, como geralmente faz o
pensamento puramente racional e julgador, que só consegue entender o
"sim", através da sua oposição ao "não", isto é, só
consegue "ver" a realidade através de uma constante polaridade de extremos.
Desta feita, nos coloca de um lado,] como pecadores carentes , e
estabelece do outro lado, a divindade como fonte de ajuda. Claro que ao nos
infantilizar dessa maneira, a ocidentalização da prece de Cristo nos
transforma em pobres pedintes, empurrando a responsabilidade da
nossa transformação espiritual para a piedade do Pai supremo.
Mas a prece original
de Jesus, ao invés de simples pedido a uma divindade externa, que existe muito
acima de todos os humanos, nos entrelaça com a fonte de criação, ambos agindo
juntos, criaturas e criador identificados na reciprocidade do
mesmo amor.
Claro que a experiencia desse amor corresponde a um estado de
Nirvana, `a lembrança de que moramos em Deus, assim
como Ele mora em nós. Ja dizia o poeta Kabir, "Todos sabemos que o pingo
de água se mistura no
oceano, mas poucos sabem que o oceano se mistura no pingo de água."
Antes de mencionar
exemplos que ilustram o que disse acima, acho necessário informar que, de
acordo com o livro Living the Prayer of
Jesus, de Stephanie Rutt, o
Cristianismo, diferente de outras religiões, que nascem da transformação de
mitos em dogma, nasceu da própria experiencia mística, através de Jesus.
No seu maravilhamento, plenitude e temor, essa experiencia mudou a vida dos
primeiros cristãos, que se tornaram apóstolos de Cristo. Sem forma
verbal, ela só podia ser expressa na exclamação do seu próprio êxtase,
"Ahhh...". Considera-se que o desejo de dar forma `a tal
revelação levou um dos discípulos a pedir que Jesus lhes ensinasse a rezar,
"Senhor, ensinai-nos como rezar" (Mateus 6:9-13 e Lucas 11:1)
As palavras com que
Jesus respondeu ao pedido compōem o poema que mantém viva a
exclamação de êxtase original, que na tradução para o grego, e depois para
outras línguas, foi perdida.
No original Aramaico,
Jesus começa com ela, na primeira palavra da primeira frase de sua oração: Abwoon d’bwashmaia ( Our Father, who art
in heaven).
Abwoon, que se pronuncia, Ahh bwoon. Ahhh
nos lembra o absoluto, o único. Bwoon evoca o processo contínuo do
nascimento pelo som e vibração através da respiração, num processo em que
a vida é recriada a cada momento. Enquanto Abwoon se refere `a fonte
original de criação, Shmaya, parte da segunda palavra d'bwashmaya,
indica a manifestação do absoluto através da respiração, vibração, luz e
som.
Pode-se dizer que
estamos mais intimamente conectados com nosso criador pelo próprio respirar, que
é a função mais elementar. A consciência desse respirar nos leva ao laço mais
intimo e recíproco com Ele. Só se pode exclamar Ahhh no exalar de um inspirar.
Jesus queria que seus discípulos
tivessem uma experiencia visceral da divindade a que pertenciam. Queria
que eles se sentissem, também, respirados por Deus. Essa interação no processo
contínuo de fazer nascer pela respiração lembra o místico cristão do século
Xlll, Meister Ekhart, ao dizer, "Somos todos mães de Deus."
Com dimensão tanto
orgânica quanto espiritual, acho que não pode haver entrega tão completa
quanto sentir-se respirado por Deus.
A oração continua, Nethquadash
shmakh, que, traduzido para "Santificado seja o vosso nome", tem
também o significado de criar espaço, no caso, para Deus dentro de nós, pois Nethqadash é tambem interpretado
como o reservar de espaço a ser preparado no chão, para uma planta
especial. Nesse caso se relaciona `a preparação, na nossa própria vida, para
nos tornar capazes de ouvir a voz ainda pequena, dentro de nos. A raiz shm
in shmakh se refere ao nome divino. Jesus esta lembrando aos
discípulos manter o nome de Deus fora de qualquer comportamento inadequado, e
"... como a divindade que os chamou, sejam distintos na sua maneira de
viver. Pois está escrito, “Santifiquem-se e se consagrem, porque eu sou
sagrado" Peter 1, 15-16.
Desde que a conexão
com nosso criador ja existe dentro de nós, precisamos cultivar e
nutri-la, quer dizer, dirigir nosso foco em sua única direção. Significa
desapegar-se de muita coisa que pode impedir o seu crescimento, envolvendo
muito do que, até então, podia mesmo ser habitual.
Como sempre pensei,
da minha própria interpretação de Jesus, ele estendeu a todos nós, que queremos
receber, o seu próprio "parentesco" com o pai, assim como o papel de
cada um em relação a Ele.
Desenvolvendo o poema
de interação amorosa entre criatura e criador, o que conhecemos como
"Venha a nós o vosso reino", correspondendo a Teytey malkuthakh, sugere
de Teytey, além da
tradução para “venha”, imagens de desejo mútuo relacionados `a
câmara nupcial em que serão satisfeitos, dando começo ao nascimento. Malkuthakh,
por sua vez, pode ser traduzido como reino, mas também involve, na raiz malkh,
o significado aconselhar, tornando o reino de Deus no estado
em que a direção do criador é realizada. Teytey
Malkuthat pode então, ser interpretado também, como "Alinhe-se com o
Criador".
Trate-se de se
alinhar com Deus, ou de se identificar com a sua presença no amor recíproco da
câmara nupcial, no ato de
amor que, mais imediato com o criador, é a comunhão. Na comunhão, todos os limites entre
os seres
que comungam são
abolidos, seja através do atavismo canibalista, a que aliás Jesus se remete na última ceia, ao dizer aos discípulos que bebam o seu sangue
e comam o seu corpo, seja na vivencia de um amor
espiritual.
A frase seguinte da
oração, traduzida para "Seja Feita a Vossa Vontade", do original, Nehway
tzevyanach aykanna, significa "
Manifest the Vision, become heaven on earth..."desde que tzevyanach significa vontade como um
tipo de desejo, uma cooperação harmoniosa que inclui disciplina.
Concerne o desejo do coração, além do estado ideal ou mental. Aikanna é a vontade de consistência e
estabilidade que o desejo do coração de Deus seja feito na nossa vida.
"Assim na terra
como no ceu", do original d'bwashmaya, aph bharha, ( b’arh’are ahhhh) quando d'bwashmaya se
refere `a luz, vibração e som fazendo o cosmos nascer, enquanto que aph
bharha aponta para o suspiro dos humanos, sempre que sentem o apoio da
terra sob eles, a frase original pode ser interpretada como
"torne-se o paraíso na terra".
" O reino dos
céus é aqui... agora ", disse Cristo no Sermão da Montanha, evocando
a plenitude do momento presente, que é buscada no Zen Budismo.
Continuando, isto é, a desconhecer cisōes entre este mundo, e o do
espírito. Tornar-se paraíso na terra significa receber o que ja está em nós, a
vontade divina para cada um, e dela agir com alegre paixão.
"O pão nosso de
cada dia, nos dai hoje", traduzido de Hawvlan lachma d'sunqanan
yaomana, também se interpreta, "Lembre-se da plenitude",
desde que Hawlan significa "dar", e lachma traduz-se
para "pão", e também "entendimento", enquanto d'sunqanan
aponta para recebermos o que precisamos, sem acumulação, e yanomana se refere
a "momentos iluminados e diários". Vejo nisso a identificação entre a
dádiva de pão e a de entendimento, comida e espírito, quando estamos
iluminados.
"And forgive us
our debts", from Washboqlan khaubayn (wakhtahayn), washboclan meaning
a "return to a original state", enquanto Khaubayin significa
"dívidas", na versão de Matteus, e "pecados", na de Lucas.
Mas, do Aramaico, pode também querer dizer "falhas", "erros",
"ofensas acidentais", "esperanças frustradas".
"As we forgive our debtors",
de, aykana, daph sknan shbwoqan l'khayyabayn.
Perdoar é se
libertar. Aykana novamente nos indica que esse libertar-se deve ser
consistente e regular. Perdoando, e daí, tornando-se livre, reconhecemos que o
que ocorre internamente, acontece externamente de imediato.
"E não nos deixe
cair em tentação", do original, Wela tahlan l'nesyuna. Considerando-se que Wela tahlan significa não nos deixe entrar,
enquanto Nesyuna tanto pode ser traduzido para "tentação", quanto
para "esquecimento", ou ainda, "perder-se em aparências", a
frase original também pode ser interpretada como, "Resista ao
esquecimento", no caso, o da nossa própria verdade, ou nossa união com
Deus.
"Tentação",
ou, l'nesyuna, sugere a possibilidade de nos perdermos nas aparências materiais. Isso é super importante `a noção derivada da prece
Aramaica, que não haja nenhuma entidade externa para nos "tentar". Os
estados de "tentação" são causados pelo nosso próprio esquecimento,
que leva nossa atenção ao exterior mundano, desviando-nos de nossa plenitude interior.
" Mas livrai-nos
do mal", provém de ela patzan min bisha, em que min
bisha, traduzido por"mal", se extende, também, a significar
"imaturidade". Enquanto estamos sincronizados com a presença interna
da divindade, nossas palavras e açōes são certas para cada momento. Nessas
circumstâncias, há abundância de sincronicidade, e experimentamos estar sendo
levados pela divindade interna que nos respira para a vida a cada momento.
Nossa "música" é então cantada por nosso criador, através de
nós.
"Pois vosso é o
reino, o poder, e a glória, para sempre, amen", do original Metol
dilakhie malkutha, wahayla, wateshbukhta, l'ahlam almin, Ameyn, (ahhh meyn) em que Dilakhie, significando
"vosso é o reino", mostra também a imagem de um campo fértil e
abundante, enquanto Malkutha se refere `a divindade que permeia a
criação, Hayla, à força encarnada da vida, em harmonia com essa
criação, e Tesbukhta, traduzido por "Gloria", evoca mais
exatamente a imagem de uma música, gloriosa harmonia que retorna a divina
luz e som à matéria em equilíbrio. As raízes da palavra
também apresentam a imagem de um fogo generativo, que leva à admiração.
Assim seja. "O
reino de Deus é aqui, agora". Amor entre criador e
criatura, ele está dentro do Criador e dentro de nós.
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