Tuesday, October 29, 2019

Benki


   
   
   Sempre vou lembrar quando o vi a primeira vez. Sim, ele é o mesmo que inspirou a linda musica Txai, de Milton Nascimento.
Eu e Edgar, meu irmão, o esperávamos no aeroporto, e o longo atrazo de seu avião me permitiu relembrar seu rosto, cuja expressão, nas fotos que eu ja tinha visto dele, revelava intensa vida interior.  Naturalmente, viria vestido como um de nós; era preciso abstrair seus traços da pintura indígena que os adornava nas fotografias- assim como seu cabelo e a forma de sua cabeça, do chapéu Ashaninka  com que aparecia nelas- sem deixar de observar o irritante abre e fecha do portão automático de uma das salas de chegadas aéreas do Santos Dumont, para poder reconhece-lo tão logo aparecesse. O abre e fecha se repetia frenético, mas as pessoas que saiam não tinham nada a ver.  Me aproximando, comecei a tentar localiza-lo do outro lado, durante os segundos em que as portas se abriam para cuspir alguém pra fora daquele espaço ansioso, onde passageiros, ainda  despojados de sua bagagem, como que roubados de sua identidade, podiam ser vistos desamparados e anônimos, na espera de seus pertences,`a beira de uma esteira.  Mas nem sombra de alguém que pudesse ser Benki. Edgar decidiu ir vigiar a outra saída de passageiros, quase que  na extremidade oposta do aeroporto, mas dali a alguns momentos, através de uma das brechas entre um homem gordo e a borda das portas que o expeliam, avistei la dentro, um rapaz  de camiseta e jeans, vestido como “um de nós”, mas inteiramente diferente de todos. Mais do que esbelto e alto, ele me apareceu etéreo,  seu corpo parecendo responder a uma outra dimensão, trazendo-me `a mente as primeiras imagens dos alienígenas, no filme Close Encounters of the Third Kind, quando estes, fora  da nave, são silhuetas que se aproximam, ao mesmo tempo que parecem prestes a se desvanecer no ar. A delicadeza de Benki é a sua força.
   Ao invés de grudado `a esteira de bagagens, como os outros viajantes, Benki a observava de uma certa distancia, como se um pouco perdido, ou melhor, como se tivesse todo o tempo do mundo. Mais tarde, ja na casa de Edgar, constatei que, mesmo na urgência em que  vive, Benki tem todo o tempo do mundo, pois que responde a uma causa que o transcende. Nos momentos em que pudemos te-lo conosco e nossos amigos próximos, entre os milhares  de chamados de toda parte, por todo tipo de pessoas que o seguem, fiquei realmente impressionada. Benki é pajé, e líder do povo Ashaninka que mora na fronteira do Brasil com o Peru. Esteve com cada um de nos em particular, e, clarividente, disse, de imediato, qual era o principal problema de cada um, rezou-nos individualmente, soprando fumaça de seu cachimbo em nossa cabeça, aspirando de nosso peito, para logo cuspir for a, o que via de energia ruim, enquanto entoava palavras em sua língua. Não é bastante relatar o alivio diferente que senti, com sua pajelança. Isso poderia fazer pensar em auto-sugestão, assim como acontece com os cobaias que tomam placebos e alcançam resultados positivos, do que seria, supostamente, remédios novos . Basta dizer que, alem de qualquer pajelança, ou do que  Benki nos contou de si mesmo, o que na verdade mais me impressionou, foi a sua presença. Ver, para crer, ou talvez, crer, para poder ver. Fica a critério de cada um.
   Benki é famoso, não só por abrir caminhos para as pessoas, ver dentro delas, muitas vezes curando-as na origem, sempre ignorada pelos medicos, das doenças que apresentam, mas pela sublime causa de salvar a floresta e o meio ambiente, ja tendo levado sua mensagem a vários países, em encontros com lideres de diferentes nacionalidades, e mobilizado muita gente que a principio era indiferente.  No reforestamento que faz com o grupo de rapazes que lidera, ja plantou dois milhōes de árvores. Diz ser a re- incarnação de seu avô, quem lhe deu a causa de salvar seu povo, com sua cultura tradicional, e o respeito pela biodiversidade. Alternando a realidade de fatos, com a verdade de sua herança mítica,  tudo que ele diz é fascinante, mas o que torna impossível não acreditar nele é a intensidade de seu ser. Em todos os momentos que estive `a sua volta, pude senti-lo integralmente presente, ao mesmo tempo que arrebatado. Unindo esses dois extremos, Benki é incrivelmente humilde, ao mesmo tempo que consciente do seu valor. Transmite o foco inabalável da coragem incondicional, como se ele fosse uma oferta, por assim dizer,  ou estivesse constantemente `a beira do sacrifício. Me fez pensar no amor  de Jesus, pelo Pai. Pensei também na paixão, como dor e renascer. A fé que Benki transmite vem da comunicação direta com a sua alma,  sendo ele despojado de todas as camadas de defesa, atras das quais nos escondemos.  Essa nudez é integridade, a pureza de não se guardar contra nada no futuro,  assim como não se agarrar a nada do passado. Coragem é  o infinito de  presença: Sincronia com o destino.

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